Agressores deixarão de responder
apenas criminalmente em casos de violência doméstica e passarão a ser punidos
também no bolso. A partir de hoje, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
vai pôr em prática uma iniciativa pioneira: entrar com ações regressivas para
cobrar o ressarcimento de gastos com os sistemas de Saúde e Previdência. Na
prática, o agressor vai pagar por gastos hospitalares e pensões das vítimas.
Ações regressivas já são ajuizadas pelo INSS em maior escala contra
empresas responsáveis por acidentes de trabalho. No ano passado, começaram os
processos contra causadores de acidentes de trânsito. Agora, uma força-tarefa
federal cuidará também de ações de violência doméstica.
O projeto deverá
ser estendido a todos os Estados, por meio de parcerias com os Ministérios
Públicos locais. Além da Secretaria de Políticas para Mulheres, já foram
firmadas parcerias com as delegacias de Brasília e do Espírito Santo.
A
iniciativa terá início com a entrada, no Tribunal Regional Federal da 1.ª
Região, em Brasília, de duas ações que já custaram aproximadamente R$ 53 mil aos
cofres públicos, com estimativa de ultrapassar R$ 209 mil. Um dos casos que terá
a ação ajuizada hoje é de um homicídio ocorrido em 5 de fevereiro. O marido
matou a mulher, deixando um filho de 3 anos. Até o mês de agosto, foram pagos R$
3.859 de pensão por morte à criança, que, à princípio, tem direito ao benefício
até completar 21 anos. Nesse caso, o custo à Previdência Social seria de R$ 156
mil.
A outra ação regressiva cobrará do acusado de uma tentativa de
homicídio com qualificadores, ocorrida em setembro de 2009, os R$ 49.160 pagos à
ex-mulher, referentes a dois auxílios-doença, fruto da agressão.
Mais
casos. A escolha da data para início das ações não foi aleatória: a Lei Maria da
Penha, que pune praticantes de violência doméstica, completa hoje seis anos. No
último semestre, a quantidade de denúncias feitas à Central de Atendimento à
Mulher, destinada a casos de agressão, praticamente dobrou. O número exato será
divulgado hoje pela Secretaria de Políticas para as Mulheres, mas ficou em torno
de 350 mil. A estimativa é de que os atendimentos já tenham ultrapassado 2,5
milhões desde a criação do serviço, em 2005. De janeiro a março, o Ligue 180
efetuou 201.569 atendimentos. Entre os 24.775 relatos de violência, a física (de
lesão corporal a assassinato) é a mais frequente, com 14.296 registros (58%).
Mais do que representar um aumento dos casos, o crescimento de denúncias
demonstra conscientização. "As mulheres vão adquirindo conhecimento e
informação", diz a secretária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra
Mulheres, Aparecida Gonçalves.
4 são agredidas por hora, mas ainda há
subnotificação
No ano passado, 37.717 mulheres brasileiras entre 20 e 59
anos procuraram hospitais públicos em busca de atendimento, após terem sido
vítimas de violência e maus-tratos no País - um crescimento de 38,7% em
comparação com 2010. O levantamento, feito pelo Ministério da Saúde, será
divulgado hoje, no dia em que a Lei Maria da Penha, que pune violência
doméstica, faz seis anos.
Desde janeiro de 2011, uma resolução do
Ministério da Saúde tornou compulsória a notificação oficial de todos os casos
relacionados à violência contra a mulher que fossem atendidos na rede pública.
Assim, segundo o governo, o crescimento de 38,7% não significa necessariamente
aumento nos casos de violência, mas que havia subnotificação.
Se forem
considerados os casos de violência envolvendo todas as mulheres - desde as
menores de 1 ano até as com mais de 60 - o número chega a 70.270. Os dados
constam do Mapa da Violência 2012, realizado pelo Centro Brasileiro de Estados
Latino-americanos (Cebela) e pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais
(Flacso).
Apesar de a notificação no Sistema Único de Saúde (SUS) ser
compulsória, os casos não são informados nominalmente à polícia - assim, não há
como afirmar quantos deles efetivamente se transformaram em processos contra os
agressores.
Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, o governo
defende a ideia de que o documento elaborado pelo sistema de saúde valha como
prova oficial em um eventual processo, evitando que a mulher seja exposta a
constrangimento novamente ao ter de refazer exames no Instituto Médico-Legal
(IML). "Defendemos que haja um debate em torno desse assunto, mesmo que seja
necessária mudança legal. É muito constrangedor para a mulher ter de procurar a
polícia e refazer todos os exames", avalia.
Tipos de violência. Segundo
o levantamento, as agressões físicas são as principais formas de violência
contra a mulher e representam 78,2% do total de casos registrados. Em seguida,
estão os casos de agressão psicológica (32,2%) e violência sexual (7,5%). O
levantamento mostra ainda que, do total de casos, 38,4% são reincidentes.
A própria casa é o principal cenário das agressões e os homens com os
quais as mulheres se relacionam ou se relacionaram (marido, ex, namorado,
companheiro) são os principais agressores e representam 41,2% dos casos. Amigos
ou conhecidos são 8,1% e desconhecidos, 9,2%.
A psicóloga Patrícia
Gugliotta Jacobucci, professora da Universidade São Francisco, vê os números com
preocupação. De acordo com ela, apesar de as mulheres estarem denunciando mais,
a maioria ainda tem dificuldade em romper o laço com o companheiro agressor - o
que explica o alto número de reincidência. "A mulher não consegue se livrar da
relação conflituosa. Mesmo fazendo a queixa, ela não rompe o ciclo da
violência", diz.
Para a psicóloga, a rede precisa se preparar não apenas
para fazer o atendimento imediato dessas mulheres, mas deve estar apta para
atender a demanda psicológica. "É preciso resgatar a autoestima dessas
mulheres."
Julio Jacobo Waiselfisz, autor do Mapa da Violência, afirma
que os dados apresentados no DataSus "ainda são só a ponta do iceberg".
Waiselfisz diz que há dois motivos para explicar a subnotificação: primeiro, os
dados são de mulheres que procuram o posto de saúde, o que significa que
sofreram violência média ou grave. "A violência cotidiana, do dia a dia,
continua não sendo comunicada", diz. Segundo, a sobrecarga de trabalho dos
médicos, que podem deixar de fazer as notificações e detalhar os quadros da
vítima.
Hoje, o Brasil tem 552 serviços de atendimento às mulheres em
situação de violência sexual e doméstica. Padilha informou que o ministério vai
lançar um edital de R$ 30 milhões para que as prefeituras apresentem programas e
ações.
"A ideia é que equipes de atenção básica criem estratégias para
reduzir a violência e a reincidência", afirmou o ministro.
DÉBORA
ÁLVARES FERNANDA BASSETTE COLABOROU BRUNO PAES MANSO
Fonte: O Estado de SP - Metrópole
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